quarta-feira, 14 de novembro de 2012

ATIVIDADES: SECA - RACHEL DE QUEIROZ -



Seca – Rachel de Queiroz
Era hora do almoço dos trabalhadores. Enquanto os homens comiam lá dentro, o fazendeiro velho sentava-se na rede do alpendre, à frente de casa espiando o sol no céu, que tinia como vidro; procurando desviar os olhos da água do açude, lá além, que dentro de mais um mês estaria virada de lama. Os dois cabras se aproximaram sem que ele pressentisse. Era um alto e um baixo; o baixo grosso e escuro, vestido numa camisa de algodãozinho encardido. O alto era alourado e não se podia dizer que estivesse vestido de coisa nenhuma, porque era farrapo só. O grosso na mão trazia um couro de cabra, ainda pingando sangue, esfolado que fora fazia pouco. Enem tirou o caco de chapéu da cabeça, nem salvou ao menos. O velho até se assustou e bruscamente se pôs a cavalo na rede, a escutar a voz grossa e áspera, tal e qual quem falava:- Cidadão, vim lhe vender este couro de bode. Aquele “cidadão”, assim desabrido, já dizia tudo. Ninguém chega de boa atenção em terreno alheio sem dar bom-dia. E tratando o dono da casa de cidadão. Assim, o fazendeiro achou melhor fingir que não ouvira e foi-se pondo de pé.- O quê? Que é que você quer? O homem escuro botou o couro em cima do parapeito e o sangue escorreu num fio pelo cal da parede:- Estou arranchado com minha família debaixo daquele juazeiro grande, ali. Essa cabra passou perto – não sei de quem era. Matei, e a mulher está cozinhando a carne para comer. Agora, o couro – o senhor ou me dá dinheiro por ele, ou me dá farinha.- E de quem é essa cabra? É minha? Quem lhe deu ordem para matar? O velho estava tão furioso que o dedo dele, espetado no ar, tremia. E o loureba esfarrapado chegou perto e deu a sua risadinha:- Ninguém perguntou a ela o nome do dono...Mas o outro, sempre sério, olhou o velho na cara:- Matei com ordem da fome. O senhor quer ordem melhor? Nesse meio, os homens que almoçavam lá dentro escutaram as vozes alteradas e vieram ver o que havia. Eram uns doze – foram aparecendo pelo oitão da casa, de um em um, e se abriram em redor dos estranhos no terreiro. Aí o velho se vendo garantido, começou a gritar:- Na minha terra só eu dou ordem! Vocês são muito é atrevidos – me matarem o bicho e ainda me trazerem o couro pra vender, por desaforo! Chico Luís, veja aí de quem é o sinal dessa criação. O feitor largou a foice no chão, puxou as orelhas do couro, e virou-se achando graça para um dos companheiros: era a sua cabrinha, não era mesmo, compadre Augusto? Está aqui o sinal...  O Augusto veio olhar também e ficou danado:- Seus perversos, a cabra era da minha menina beber leite, estava de cabrito novo! Mas o olho do homem escuro era feio, se ele se assustara vendo-se cercado pelos cabras da fazenda, não deu parecença. O loureba é que virava a cara de um lado para outro, procurando saída; ainda levou a mão ao quadril, tateou o cabo da faca – mas cada um dos homens tinha uma foice, um terçado, um ferro na mão . Nesse pé o fazendeiro, para acabar com a história, resolveu mostrar bom coração; e gritou para o corredor:- Menina! Manda aí uma cuia com um bocado de farinha! Depois, retornando ao homem:- Eu podia mandar prender vocês, para aprenderem a não matar bicho alheio! Mas têm crianças, não é? Tenho penadas crianças. Leve essa farinha, comam e tratem de ir embora. Daqui a uma hora quero o pé de juazeiro limpo e vocês na estrada. Podem ir! O homem recebeu a cuia, não disse nada, saiu sem olhar para trás. O outro acompanhou, meio temeroso, tirou ainda o chapéu em despedida, e pegou no passo do companheiro. O velho reclamava, em voz alta – cabra desgraçado, além de fazer o malfeito, recebe o favor e nem sequer abana o rabo. Os trabalhadores, calados, acompanhavam com os olhos os dois estranhos que marcavam um atrás do outro, na direção do juazeiro, do qual só se avistava a copa alta ali no terreiro. Ninguém sabe o que pensavam; o dono da cabra deu de mão no couro e foi com ele para trás da casa. Aí a sineta bateu e os homens saíram para o serviço. Passando pelo juazeiro, lá viram a família ao redor do fogo, os meninos procurando pescar pedaços da carne que fervia numa lata. Mas o homem escuro, encostado ao tronco, via-os passar, de braços cruzados, sem baixar os olhos. Ainda foi o dono da cabra que baixou os seus; explicou depois que não gostava de briga.
MORALIDADE: Este caso aconteceu mesmo. Faz mais de trinta anos escrevi uma história de cabra morta por retirante, mas era diferente. Então, o homem sentia dor de consciência, e até se humilhou quando o dono do bicho morto o chamou de ladrão. Agora não é mais assim. Agora eles sabem que a fome dá um direito que passa por cima de qualquer direito dos outros. A moralidade da história é mesmo esta: tudo mudou, mudou muito.
                                                                           QUEIROZ, Rachel de. Cenas brasileiras São Paulo: Ática, 1997, p.14-17. (para gostar de ler).

01. (EFOMM) “Aquele cidadão assim desabrido já dizia tudo...” Essa afirmativa significa que:

a) - o fazendeiro se sentiu honrado em ser considerado um “cidadão” pelo cabra escuro.
b) - o velho fazendeiro assim se referiu ao cabra alto.
c) - os dois cabras trataram com grande respeito o seu patrão.
d) - o fazendeiro se sentiu assustado com a aspereza do tratamento.
e) - o cabra alto reverenciou o velho fazendeiro.

02. (EFOMM) Diz-se pejorativo o que exprime sentido depreciativo, desfavorável ao referir-se a alguém ou alguma coisa. Essa atitude a autora tem com um dos personagens na passagem:
a) - “Os dois cabras se aproximaram sem que ele pressentisse.” 
b) - “O velho até se assustou e bruscamente se pôs a cavalo a rede...” 
c) - “O feitor largou o foice no chão, puxou as orelhas do couro, e virou-se...” 
d) - “Mas o olho do homem escuro era feio e, se ele se assustara...” 
e) - “O loureba é que virava a cara de um lado para outro...”
03. (EFOMM) A morte da cabra deixou o dono dela com raiva, por que:
a) - o animal, além de alimentar a filha dele, estava prenhe.
b) - o animal, além de alimentar a filha dele, tinha muitos filhotes para alimentar.
c) - o animal, além de alimentar a filha dele, cruzaria com um cabrito novo.
d) - estava previsto o cruzamento do animal com um cabrito.
e) - o animal servia para alimentar a filha dele, mas não gostava de cabrito novo.
04. (EFOMM) “Mas o olho do homem escuro era feio e, se ele se assustara vendo-se cercado pelos cabras da fazenda, não deu parecença.”  Sobre a passagem sublinhada pode-se dizer, em outros termos, que:
a) - se ele tinha se assustado ao se ver cercado pelos homens, não deixou transparecer.
b) - se ele teria assustado-se por se ver cercado pelos homens da fazenda, não deixou transparecer.
c) - caso ele tenha se assustado ao se ver cercado pelos homens da fazenda, não deixou transparecer.
d) - se ele tinha assustado-se ao se ver cercado pelos homens da fazenda, não deixou transparecer.
e) -  caso ele tivesse se assustado por se ver cercado pelos homens da fazenda, não deixou transparecer.
05. (EFOMM) O texto de Raquel de Queirós defende a tese de que:
a) - o direito à propriedade privada se sobrepõe ao da transgressão.
b) - não cabe a um cidadão, ainda que faminto, a prática de um crime.
c) - não é relevante denunciar a fome que passa o cidadão brasileiro.
d) - a alienação do cidadão brasileiro perdura há décadas.
e) - a fome garante ao cidadão um direito maior que o da propriedade privada.
06. (EFOMM) “Assim, o fazendeiro achou melhor fingir que não ouvira e foi-se pondo de pé”. Essa afirmação significa que o fazendeiro:
a) -  entendeu o dito pelo cabra e se levantou.
b) -  fingiu não ouvir a maior parte do que fora dito pelo cabra.
c) - não conseguiu ouvir o que falara o cabra.
d) -  não entendeu uma boa parte da fala do cabra.
e) - mostrou ao cabra que ouvira quase toda a sua fala.




7 - Considerando o texto, assinale a alternativa CORRETA.

a) - O fazendeiro se manteve deitado na rede enquanto falava com os dois homens.
b) - O fazendeiro não se lembrava, mas dera ordem para os cabras matarem o animal para comer e, agora, eles vinham devolver-lhe o couro como forma de agradecimento.
c) - Chamar alguém de “cidadão”, na opinião do fazendeiro, era sinônimo de respeito e temor.
d) - Quando disse ao fazendeiro que não haviam perguntado ao animal o nome do dono, o homem baixo foi irônico.
e) - Para os cabras, os fins justificam os meios.


     8 - Leia as afirmativas abaixo.

I.  “Os dois cabras se aproximaram sem que ele pressentisse.”
II. “O grosso na mão  trazia um couro de cabra.”
III. “Essa cabra passou perto – não sei de quem era.”
IV. “O senhor ou me dá dinheiro por ele, ou me dá farinha.”
V.  “Assim, o fazendeiro achou melhor fingir que não ouvira e foi-se pondo de pé”.

Marque a alternativa CORRETA em relação ao texto.

 a) - Em IV, apesar de haver possibilidade de escolha marcada pela palavra ou,  nota-se o tom autoritário da personagem revelado pelo modo em que se encontra o verbo dá.
b) - Em I, II e III, as palavras sublinhadas têm o mesmo referente.
c) - Em I, o pronome se tem como referente “ele”.
d) - A expressão grosso na mão, em II, refere-se à aspereza que caracterizava a mão do homem.
e) - A frase V indica que o fazendeiro, dali por diante, não daria mais ouvidos ao que os homens dissessem.

      9 - Assinale a alternativa CORRETA.

a) - Em “- Cidadão, vim lhe vender este couro de bode.” (linha 12), o termo em destaque mostra qual é o sujeito da oração.
b) - Na frase “Assim o fazendeiro achou melhor fingir que não ouvira” (linhas 14-15), o verbo destacado pode ser substituído, sem prejuízo do sentido, por “tinha ouvido” ou “havia ouvido”.
c) -Em “Ninguém perguntou a ela o nome do dono” (linha 25), a palavra em destaque pode ser substituída, sem que seu sentido no texto seja alterado, por a gente.
d) - Em “Matei com ordem da fome” (linha 27), há uma figura de linguagem presente no termo destacado a qual chamamos gradação.
e) - Em “Os dois cabras se aproximaram sem que ele pressentisse” (linha 5), há dois verbos no modo subjuntivo, indicando hipótese.

10 - Considerando cada proposição, indique V para verdadeira e F para falsa.

(   )“Cidadão, vim lhe vender este couro de bode.” “Quem lhe deu ordem para matar?” Cada um dos verbos destacados exige, nesses contextos, dois complementos.
(    )“Aquele ‘cidadão’, assim desabrido, já dizia tudo. Ninguém chega de boa tenção em terreno alheio sem dar bom-dia, e tratando o dono da casa de cidadão” . Esse trecho mostra a opinião do narrador em relação aos cabras que se aproximaram do fazendeiro.
(      ) A palavra destacada em “Ninguém chega de boa tenção...” é uma forma variante de “tensão”.
(      )As palavras parapeito, esfarrapado e  risadinha resultam do mesmo processo de formação.
(      )Há uma personificação da “fome” na frase “Matei por ordem da fome.”

Assinale a alternativa que contém a sequência CORRETA, de cima para baixo.

a)- V– F–V– V– F.
b) - F– V– V– V– F.
c) - V– F– F– F– V.
d) - F– V– F– F– V.
e) - V– F– V– F– V.























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